O direito natural para Aristóteles por Torquato da Silva Castro Júnior

O professor Torquato conversou com o INB para falar sobre o Direito Natural de Aristóteles.
Torquato da Silva Castro Júnior é Professor Titular de Direito Civil da Universidade Federal de Pernambuco, onde leciona Direito Civil e Lógica e Retórica Jurídica. É autor do livro A Pragmática das Nulidades e a Teoria do ato Jurídico Inexistente, publicado pela editora Noeses (2009).

No dia 10 de janeiro de 2023, a pesquisadora do Instituto Norberto Bobbio se reuniu com o professor Torquato da Silva Castro Júnior para discutir o significado de direito natural para Aristóteles, um dos maiores filósofos da Antiguidade.

O Direito Natural é um conceito que possui diversas variações e interpretações. Dentre elas, frequentemente se destaca algo que alguns pensadores chamam de “jusnaturalismo”. Em essência, tais intelectuais tentam construir uma teoria utilizando ferramentas metodológicas modernas, com o objetivo de delimitar um sistema de Direito racional.

O direito natural e a interpretação jusnaturalista

A ideia é buscar um axioma – isto é, uma verdade inicial – para inferir dedutivamente uma série de diferenciações. Com base nisso, chega-se a novas conclusões sistêmicas sobre o que deve ser considerado necessário em todas as épocas e lugares para a condição humana. Trata-se de uma abordagem que parte da diferenciação para deduzir inúmeros outros postulados e, então, chegar a uma verdade detalhada e minuciosa.

Esse processo divide todos os postulados de acordo com uma perspectiva lógica. Assim, se desenvolve um sistema atemporal de Direito Natural. Esse tipo de construção se relaciona ao sucesso da física experimental e sua capacidade de ser matematizada. Alguns argumentam que, após observarem o sucesso das leis naturais expressas em formas matemáticas na física experimental, também é possível explicar o Direito por meio dos mesmos procedimentos.

O direito natural e uma compreensão da condição humana

Do meu ponto de vista, o Direito Natural moderno baseia-se na construção de sistemas inferenciais fechados, coerentes e dedutivos. Eles partem de verdades primeiras e deduzem novas verdades que são consequências analíticas das que foram inicialmente pressupostas. Nesse sentido, falar em Direito Natural implica em reconhecer uma espécie de legislação intrínseca que precisa ser teoricamente compreendida para avaliar a condição humana no mundo.

No entanto, surgem problemas quando cada pessoa estabelece um axioma inicial. Por exemplo, Jean Jacques Rousseau assumia que todos somos naturalmente bons, enquanto Thomas Hobbes acreditava que somos naturalmente selvagens. Se diferentes axiomas são pressupostos, os sistemas resultantes também serão diferentes. Não é possível afirmar qual é o preferível, e tentar escolher o melhor pode tornar a discussão redundante.

Talvez, o aspecto mais importante desse assunto seja a transição da Teoria do Direito Natural para a política dos direitos subjetivos naturais, conforme explicado por Norberto Bobbio em seu livro A Era dos Direitos. Embora existam divergências, o papel de Immanuel Kant é significativo, na medida que ele rejeita o Direito Natural como um sistema racional cognitivo, ao mesmo tempo em que estabelece a liberdade intrínseca no ponto de vista moral. Dessa maneira, Kant inova ao introduzir um novo tipo de pressuposto: a substituição do Direito Natural pelos direitos naturais dos sujeitos livres.

Essa introdução é importante para esclarecer que o Direito Natural moderno não é necessariamente o mesmo tratado por Aristóteles. Trata-se de uma questão complexa, devido à ampla variedade de autores e opiniões divergentes. Tudo isso  torna a leitura e o estudo do assunto bastante desafiador.

O direito natural para Michel Villey

Durante o mestrado, estudei intensamente a obra de Michel Villey. Segundo o autor, o Direito Natural é o próprio Direito. Evidentemente, podem haver elementos arbitrários em certos casos, mas intrinsecamente esse é o cenário, conforme o pressuposto socrático de que as pessoas naturalmente buscam o próprio bem. Sua conclusão é que as questões jurídicas não são indiferentes e isso afeta as deliberações sobre diversos assuntos, que variam da pena de morte até a garantia da liberdade reprodutiva.

Essas questões não são indiferentes simplesmente porque impactam significativamente a nossa vida. Villey argumenta que, se o indiferente não existe, então o certo e o errado são intrínsecos e não dependem de convenção. Ou seja, se alguém comete um erro, as consequências serão disfuncionais. Se seguirmos um caminho ruim, não teremos um florescimento adequado.

Embora essas palavras não sejam exatamente as mesmas usadas por Aristóteles, para ele, seguir um caminho errado impede o desabrochamento das forças naturais. Todas as coisas possuem um propósito, uma finalidade, uma teleologia. Nesse contexto, “teleologia” se refere à ideia de que há, naturalmente, uma tendência ou propensão intrínseca em tudo. Aristóteles usa o termo enteléquia para descrever essa condição. Enteléquia não se relaciona com o intelecto, mas sim com a finalidade inerente a um ser.

Por exemplo, uma árvore realiza sua finalidade, que já está presente nela mesma quando ainda é uma semente. Essa finalidade dá unidade ao desabrochar. A própria ideia de physis em grego, conforme enfatizado por Martin Heidegger, é um processo de nascer, acontecer e suceder.

Da filosofia antiga: Aristóteles

De acordo com Aristóteles, o Direito Natural é o caminho intrinsecamente correto para que tudo flua conforme o esperado. Não adianta lançar uma semente em um local inadequado, pois assim a árvore não será capaz de brotar. A discussão sobre o Direito Natural é vital e, por isso, não é mero capricho da razão. Na verdade, trata-se de uma constatação que, embora algumas questões possam ser irrelevantes ou puramente convencionais, outras fazem diferença.

Em uma rodovia, por exemplo, o motorista pode conduzir à direita ou à esquerda, desde que haja um acordo mútuo e inverso entre os condutores. Em alguns lugares, a direção é pela direita, enquanto em outros é pela esquerda, mas o importante é entrar em acordo sobre qual regra seguir. Diferentemente do que ocorre com o trânsito, o Direito Natural é a esfera do intrinsecamente correto para o funcionamento adequado. 

Não é um problema oposto ao Direito positivo, mas apenas um aspecto do Direito Natural como um todo. É interessante notar que só percebemos isso quando, de alguma forma, o Direito positivo se impõe. Isto é, quando as sociedades possuem a capacidade de estabelecer convenções e regras gerais por meio do tipo legislativo, seja um rei ou um grupo específico que impõe sua vontade como a ordem pública.

No entanto, essa concepção de Direito positivo surge muito depois da noção do que é intrinsecamente correto. Essa é uma visão que Aristóteles também compartilhou e influenciou, como podemos observar nas afirmações de São Tomás de Aquino sobre o Direito injusto, que não é verdadeiramente Direito.

O aspecto mais interessante e que desempenha um papel crucial, encontra-se no final do livro V da “Ética a Nicômaco”, quando Aristóteles aborda o que chamo de Justiça Material, ou seja, a Justiça no caso concreto. Para ele, a equidade é uma forma de contingência na qual, diante de um texto que contém um comando, decide-se não segui-lo exatamente, mas sem desrespeitar seu propósito.

Com isso, evita-se que o comando se torne disfuncional. Por exemplo, se há uma regra que proíbe pisar na grama e todos são proibidos de fazê-lo, inclusive os responsáveis pela manutenção, como cortá-la e regá-la? A regra se torna prejudicial e disfuncional em relação à sua finalidade, que é preservar o gramado. Nessa situação, pode surgir a necessidade de permissão para pisar na grama, mesmo que esteja escrito o contrário.

Uma teoria da natureza própria dos comandos e conceitos

Sobre esse assunto, Aristóteles desenvolve uma teoria na qual afirma a natureza própria de todos os comandos e conceitos, pois eles são formulados de maneira geral, enquanto a realidade é sempre mais complexa. O legislador não pode prever todas as circunstâncias futuras. Portanto, em situações não previstas pelo legislador, pode ser necessário desobedecer ao que foi ordenado para atender à pretensão e não para desrespeitar a intenção original.

Tudo isso requer uma sofisticação considerável do raciocínio e pressupõe a existência de uma referência intrinsecamente correta, na qual devemos ter sensibilidade e estar dispostos a agir de acordo com essa compreensão. Dessa forma, a ideia de Direito Natural não é algo separado ou adicional ao Direito Positivo. Na verdade, ela o engloba. O Direito Positivo é apenas um aspecto menor e curioso em relação ao Direito Natural que é, sem dúvida, relevante. No entanto, não abrange a totalidade.

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