No dia 5 de março de 2023, a pesquisadora do INB, Júlia Albergaria, se reuniu com o professor Rômulo Monteiro Garzillo para contar sua história de formação. Para contar essa história ele apresentou como marcos referenciais, os livros mais fundamentais de sua vida.
O início de um novo mundo: adolescência
Desde o início da minha juventude, o primeiro interesse que tive foi com a música, por volta dos 15 anos, quando cheguei a considerar ingressar no curso de Composição e Regência na Universidade de São Paulo (USP). Em razão da música, sempre me vi dividido entre as humanidades como a linguagem matemática.
Ao mesmo tempo, passei a explorar a história dos grandes cientistas, como Galileu Galilei, Isaac Newton e Einstein. Durante esse período da minha formação, eu era bastante desorganizado. Minha família provavelmente pensava que eu me tornaria um pequeno delinquente, e não um advogado. Apesar disso, nunca deixei de acompanhar as histórias dos artistas e personalidades que sempre me despertavam interesse.
Em tempos de colégio: os poetas
No final do ensino médio, acabei deixando a música para um segundo plano e decidi me dedicar aos estudos para o vestibular. Nessa época avancei muito nos estudos de matemática e física, mas também em história e literatura. Foi marcante o evento em que meu professor de literatura, Evandro Camperon, que recitou o poema “Menino Jesus”, de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. Fiquei tão impressionado que não conseguia entender como um escritor poderia ser tão talentoso.
Na semana seguinte, o mesmo professor trouxe a obra de Vinicius de Moraes; na seguinte, a poesia de Carlos Drummond de Andrade. Corri para a biblioteca e peguei um livro de cada um: um de Fernando Pessoa, um de Vinícius de Moraes e um de Carlos Drummond de Andrade. Até hoje, esses três são meus poetas favoritos e atendem a momentos específicos da minha vida. Por exemplo, se sofro de desilusão amorosa, busco Vinicius de Moraes. Se o caso é de crise existencial, tenho Drummond e Pessoa.
A faculdade de física
Após concluir o ensino médio, ingressei no curso de Física, na USP. No entanto, a poesia e a literatura continuavam a rondar incessantemente minha mente. Fiquei dois anos no curso, nos quais aprendi muito. O curso de Física era como uma academia para exercitar o cérebro. Além disso, te ensinam a ser autodidata. Tudo isso me foi muito útil. No entanto, a ausência das palavras começou a afetar profundamente. Eu compreendia que a faculdade era diferente da escola e que as reflexões seriam mais aprofundadas, mas sentia que havia feito a escolha errada.
Para suprir essa ausência filosófica, comecei a ler as obras de Friedrich Nietzsche, um autor bastante crítico em relação a diversos filósofos, incluindo os marxistas. A partir disso, cheguei à conclusão de que, se não posso ser um marxista nietzschiano, não posso me considerar um marxista. Nesse momento, a minha crise existencial era intensa. A ideia de ficar trancado em um laboratório qualquer, sem poder escrever nada, me parecia desinteressante. Foi então que percebi que minha profissão precisava estar associada à leitura e à escrita, pois era isso que eu realmente necessitava.
O encontro com a literatura de João Guimarães Rosa
No segundo ano da minha graduação em Física, li “Grande Sertão: Veredas”, o melhor livro que já li até hoje. Foi uma leitura que me deu segurança. Sabia que se poderia ler Guimarães Rosa, poderia ler qualquer coisa. Por estudar física, me sentia bastante inseguro em relação à área de humanas. O livro de Guimarães Rosa mudou a minha vida, pois passei a me sentir íntimo das palavras.
Foi um passo encorajador para que eu abandonasse as exatas e ingressasse nas ciências humanas. Estava em dúvida entre Filosofia e Letras. Até que um grande amigo meu, Andrei, me incentivou a prestar Direito. Para me convencer ele disse que Vinícius e Guimarães estudaram Direito. Isso bastou para que eu arriscasse, muito embora a formação jurídica me despertasse interesse. Nessa época, cheguei a publicar um livro de poemas, com apoio do desenhista Paulo Sayeg, que me incentivava a escrever. Mas mergulhei no Direito como um modo de estar próximo às palavras e conseguir algum emprego que pudesse me manter financeiramente. Mas não estava nos meus planos estudar o Estado, a democracia, etc.
Tropicália, Rogério Duprat e as manifestações de 2013
Durante os primeiros anos do curso de Direito, o que me chamava atenção era o movimento da Tropicália. Passei o primeiro ano todo lendo e pesquisando sobre. O Direito ainda não me chamava atenção, e dediquei esse início do curso para conhecer figuras como Rogério Duprat, por exemplo, que foi um importante expoente da música clássica contemporânea no Brasil. Era um arranjador dos tropicalistas. É claro que figuras como Oswald de Andrade e Mário de Andrade também foram importantes para mim, pois influenciaram o movimento.
Mas vieram as manifestações de junho de 2013, a Operação Lava Jato, o impeachment de Dilma, e o gosto pela política entrou na minha vida. Na época, eu tinha acabado de entrar como estagiário no escritório Tofic Simantob, e estava conhecendo o Direito Penal na prática da advocacia. As atuações de Fábio Tofic no Tribunal do Júri causaram um efeito similar à leitura de Fernando Pessoa na escola, pelo professor de literatura. Naquele momento eu entendi o sentido que eu poderia dar às palavras que tanto gostava. Mas ao invés de música e literatura, compreendi que poderia utilizar as palavras para defender direitos fundamentais, como a liberdade.
Os anos e os semestres: a faculdade de direito
Até aquele momento, eu nunca havia presenciado uma verdadeira crise política. Quando eu era mais novo, lembro de chegar da escola e pegar um jornal com a manchete sobre um decreto baixado pelo então ministro da agropecuária e uma foto do presidente Lula. Tudo isso era extremamente pacífico e entediante antes das manifestações de junho de 2013. E a situação se tornou ainda mais complicada porque, justamente quando eu estagiava na área do Direito Penal, iniciou-se a Operação Lava Jato.
Em seguida, ocorreu o processo de impeachment da Dilma Rousseff, e com isso surgiram inúmeros outros desdobramentos. Esse cenário conflituoso despertou meu real interesse pela política. No segundo ano da faculdade de Direito, li textos de penalistas como Francisco Muñoz Conde e José Maria da Silva Sanches. Mas um livro muito marcante para mim foi “A Defesa tem a palavra”, de Evandro Lins e Silva, um dos maiores juristas brasileiros no século passado.
Ainda na graduação, comecei a estudar Direito Constitucional e o professor Pedro Serrano se tornou uma das minhas maiores referências. Por meio de suas indicações, entrei em contato com as obras de Ronald Dworkin – meu autor preferido da Filosofia do Direito -, Luigi Ferrajoli, Norberto Bobbio, Hans Kelsen e Herbert Hart. Porém, houve um momento em que tive um amor à primeira vista.
Quando me formei na faculdade estava com muita vontade de seguir tanto no Direito Penal, advogando, como na área acadêmica. Foi então que ingressei no mestrado como professor Pedro Serrano, para estudar Schmitt.
Novos caminhos: o mestrado
No mestrado, li predominantemente os livros de Carl Schmitt e seus comentadores. Eu buscava correntes que tratavam sobre ele, como a alemã, a francesa, a coreana, entre outras. Ou seja, busquei construir um microcosmo em torno de Schmitt.
Na cabeceira, hoje.
Atualmente, estou lendo dois livros: A Paixão Segundo G.H da Clarice Lispectore o Livro do Desassossego de Fernando Pessoa. Na minha opinião, essas obras apresentam semelhanças marcantes. No Direito, tenho lido Justiça para Ouriços.
Mais do que essencial
Um dos meus autores preferidos é, sem dúvida, Nelson Rodrigues. Mas, quando se trata de uma leitura mais conservadora, é válido mencionar Edmund Burke. Em particular, tenho uma grande admiração pelos conservadores graças a Pedro Serrano, que me indicou várias obras dessa natureza, embora ele próprio seja um progressista.
Tenho lido, além de Dworkin, John Ralws, Bruce Ackerman e Jack Balkin. J
Mas o que é mais relevante para mim é: Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, Nelson Rodrigues, Vinicius de Moraes, Hannah Arendt, Dworkin e Nietzsche.
Com isso, alcançamos o ápice dessa entrevista.
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