Ativismo Judicial por Georges Abboud

Georges Abboud é sócio do Warde Advogados, professor do programa de mestrado e doutorado em direito constitucional do Instituto Brasileiro de Ensino - IDP-DF e professor de direito processual civil da Pontifícia Universidade Católica de São (PUC-SP)
Georges Abboud é sócio do Warde Advogados, professor do programa de mestrado e doutorado em direito constitucional do Instituto Brasileiro de Ensino - IDP-DF e professor de direito processual civil da Pontifícia Universidade Católica de São (PUC-SP)

No dia 11 de outubro de 2023, a pesquisadora do INB, Júlia Albergaria, conversou com o professor Georges Abboud sobre o ativismo judicial.

INB: Como o senhor define o conceito de ativismo judicial e qual é a sua opinião sobre os limites dos juízes na interpretação e aplicação das leis?

Georges: Definir o ativismo judicial não é uma tarefa tão simples, especialmente considerando a gravidade do tema no atual debate político brasileiro. Em um primeiro momento, é importante lembrar que “ativismo judicial” é uma tradução da expressão em inglês “judicial activism” e não está mencionada em nenhum momento na Constituição Federal de 1988.

É notável que os textos normativos não contemplam essa categoria, o que torna seus limites semânticos bastante fluidos. Quando abordo o tema em meus trabalhos, me refiro a uma atuação excessiva do Judiciário em relação aos demais poderes, caracterizada por ultrapassar os limites funcionais estabelecidos para os juízes, a partir da substituição da Lei por elementos subjetivos (moral pessoal, por exemplo). 

No entanto, é comum observar a tendência de utilizar a expressão para criticar ou atacar as instituições jurídicas. É nesse ponto que reside minha discordância em relação aos atuais autores e grupos políticos que tratam do assunto. Na minha opinião, é equivocado acusar boa parte das decisões do Supremo Tribunal Federal de serem exemplos de ativismo judicial.

Parece-me que o termo se transformou em um slogan e é precisamente por isso que é tão perigoso. Conforme apresentado no subtítulo do meu livro, Ativismo Judicial: Os perigos de se transformar o STF em inimigo ficcional, ele se tornou um slogan utilizado para retratar o Supremo como o grande vilão da extrema direita brasileira.

INB:Quais são os principais critérios para distinguir entre uma atuação judicial legítima e um ativismo judicial que possa extrapolar os limites do poder judiciário?

Georges:  O primeiro critério é a interpretação jurídica hermenêutica condicional. Ela não pode manifestar-se de maneira livre e subjetiva, uma vez que possui limites estabelecidos pela legislação em conjunto com a dogmática doutrinária. Além de orientar os temas que devem ser objetos de análise judicial, existem questões que, mesmo quando julgadas, encontram limites condicionais ilegais. Isso é fundamental para que os juízes tenham consciência de que não são agentes puramente econômicos nem puramente jurídicos.

No entanto, a todo momento, eles se veem confrontados com a necessidade de decidir questões de grande relevância tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de vista jurídico. Portanto, o dever do Judiciário é fornecer respostas condicionais aos problemas que frequentemente têm natureza política e econômica, nos quais o ativismo judicial se torna mais evidente. Assim, o desafio reside em estabelecer os limites que definem uma resposta dentro dos parâmetros convencionais. Por isso, sempre defendi a ideia de que não é possível falar sobre ativismo judicial sem analisar profundamente cada caso.

INB: De que maneira é possível democratizar o acesso ao conhecimento jurídico, que muitas vezes é incompreensível para as pessoas que estão fora desse universo?

Georges: Para responder a essa pergunta, é necessário analisar duas dimensões distintas do problema. Uma delas diz respeito a uma preocupação daqueles que trabalham com o Direito. Nesse sentido, é preciso lembrar que as discussões constitucionais passaram por profundas modificações nas últimas décadas. Isso ocorreu especialmente por causa do aumento da judicialização da política, que tem gerado descontentamento em parcelas da população em muitos lugares do mundo. Mesmo em Israel, percebe-se um avanço da extrema direita em direção à Suprema Corte, que discute reformas semelhantes às Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) propostas aqui no Congresso Nacional. Nesse sentido, é possível notar que existem esforços importantes de determinados setores da sociedade para reduzir a eficácia ou revisar as decisões do Judiciário.

Como lidar com isso? Quais são os mecanismos para abordar o ativismo judicial brasileiro dentro dos limites do próprio Direito? O primeiro passo é aprimorar a doutrina e aperfeiçoar o diálogo entre os poderes. O Supremo Tribunal Federal tem adotado recentemente medidas que eu defendia há cinco anos, como a possibilidade de acordo condicional em casos de controle abstrato de constitucionalidade. O acordo ajuda a diminuir a tensão e envolve o Legislativo nesse processo. Para exemplificar, uma das tentativas mais significativas de atenuar os ânimos foi o caso do ICMS, cujo acordo entre entes federativos foi homologado pelo Ministro Gilmar Mendes.

A segunda dimensão do problema relaciona-se à cobertura jornalística das pautas jurídicas. É fundamental criar um jornalismo menos repressivo e mais dialógico. Essa é uma saída bastante interessante. O que tenho visto é uma prática retaliatória dos meios de comunicação de massa. De certa forma, eles permitem ataques institucionais que não devem ser permitidos, mesmo quando um juiz toma decisões questionáveis ou age de forma ativista. O pedido de impeachment, por exemplo, não deve ser uma resposta automática. É necessário haver uma avaliação cuidadosa para determinar se há um crime político envolvido.

O que frequentemente observo é uma forma de pressionar os membros do Supremo. Na minha visão, existem vários casos em que as decisões foram continuamente legítimas. Além disso, existem PECs que buscam regulamentar questões internas do Supremo ou transformar o Congresso em uma instância revisora da Suprema Corte. No final do dia, mesmo que não seja intencional, isso representa mais um ataque institucional de um poder contra outro do que uma tentativa de reforma.

Do ponto de vista jurídico, é necessário considerar como isso afeta a sociedade e, a partir desse entendimento, realizar um trabalho de esclarecimento. Eu participo de debates na grande mídia, na televisão e nos jornais, e tento esclarecer que muitas das questões em discussão são controversas do ponto de vista moral, mas não podem ser consideradas como ativismo judicial.

Essa confusão acontece sempre no debate político e a mídia, por falta de conhecimento técnico, tende a fazer interpretações equivocadas. Por exemplo, quando se diz que o Supremo se intromete nos assuntos do Legislativo, é importante explicar que isso faz parte de sua função determinada constitucionalmente. O controle de funcionalidade é algo com o qual os especialistas estão bastante familiarizados, mas esse assunto raramente é discutido na grande mídia.

Portanto, não explicar esse conceito ao público em geral resulta em mal-entendidos e afasta os leigos do universo jurídico. A função do Supremo é controlar, e isso deve ser avaliado caso a caso para determinar se a intervenção foi apropriada ou inadequada. Essas observações são essenciais para o amadurecimento democrático no Brasil e para ajudar a sociedade a compreender melhor o papel do Supremo, do direito, especialmente em relação a temas como o marco temporal e outros que geram grande agitação social, para que possa haver uma aproximação sadia entre o universo jurídico e a sociedade. O trabalho de veicular a informação, que é o essencial para a democratização do conhecimento, já está sendo feito, especialmente nos casos que tem maior interesse social. É necessário que a mídia realize um trabalho de tradução mais bem acurado, especialmente no que se refere ao papel das instituições, para não criar espantalhos que a sociedade quererá combater. 

INB: O senhor acredita que o Supremo Tribunal Federal passa por uma espécie de politização?

Georges: Quando eu era mais jovem, era muito relutante em afirmar que o Supremo é um agente político. Isso porque dificilmente poderíamos enquadrá-lo no conceito clássico do termo. No entanto, não é possível ignorar que o Supremo, uma vez reconhecido como a instância em que a judicialização da política é resolvida, inevitavelmente gera reflexos políticos. Quando ele decide sobre financiamento de campanha, a Lei da Ficha Limpa ou a inelegibilidade de um cargo executivo, os reflexos no campo são evidentes.

O Supremo é, de fato, um agente de importância crucial na composição da macropolítica. Ele é a entidade responsável por resolver a judicialização, e quem mais utiliza esse recurso é a própria classe política. No entanto, o problema surge quando a resposta à judicialização é dada por meio do ativismo judicial, em vez de ser condicionalmente obrigatória. Nesse caso, cria-se a impressão de que o Supremo toma decisões políticas partidárias prejudiciais.

Recentemente, os tribunais superiores tornaram-se reféns de uma imagem meramente política eleitoreira. As pessoas passaram a observar o Supremo como uma instituição que se opunha ao governo Bolsonaro quando, na realidade, ele apenas cumpria seu papel de guardião da defesa constitucional da democracia. A impressão de oposição ideológica aconteceu porque o governo atacava reiteradamente os princípios democráticos. Essa percepção levou a uma injusta desconfiança do Supremo por parte de uma parcela da sociedade.

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