No dia 22/04 , a pesquisadora do INB, Júlia Albergaria, se reuniu com a pesquisadora Raíssa Moreira Lima Mendes Musarra para contar sua história de formação. Para contar essa história ela apresentou como marcos referenciais, os livros mais fundamentais de sua vida. Raíssa é pesquisadora do Instituto Norberto Bobbio.
As primeiras páginas
A leitura começou a ter um impacto mais significativo na minha vida quando li O Menino no espelho de Fernando Sabino. Ainda criança, foi a capa do livro que despertou a curiosidade. Durante a infância, tive acesso a revistas e livros porque minha mãe, por ser professora universitária, incentivava a cultivar o hábito da leitura. Não me lembro exatamente quem me presenteou com O Menino no espelho, mas gostei tanto do livro que era como se tivesse sido minha primeira escolha consciente.
Eu gostava de refletir sobre a perspectiva da criança e do adulto e a maneira pela qual eles se enxergavam mutuamente. Apenas no fim da história percebi que se tratava da mesma pessoa: o adulto conversava consigo mesmo através do espelho. Esse tema continua sendo importante para mim até hoje, e frequentemente faço o exercício de acolher minha criança interior. Com o passar do tempo, conheci outras obras que me marcaram, como O Mundo de Sofia. Ainda estava na escola e fiquei assustada com o tamanho do livro – pensei que nunca seria capaz de terminá-lo. Decidi encarar a leitura com leveza e, conforme avançava, percebia cada vez mais que se tratava de um verdadeiro convite à filosofia. Embora não fosse uma obra tão acessível ao público infantil em razão da complexidade da linguagem e da falta de ilustrações, as questões existenciais propostas por Jostein Gaarder eram lúdicas e estimulantes.
Os Pensadores
A edição dos Pré-socráticos da coleção Os Pensadores também me acompanha desde a infância. Tenho um amor especial por essa coleção e um dos meus sonhos é adquirir todos os volumes novamente, pois muitos dos que tinha se perderam ao longo do tempo. Há anos gosto de estudar qualquer assunto desde o início, e com a filosofia não foi diferente. É uma experiência enriquecedora explorar o contexto inicial das discussões filosóficas. Foi o que me levou a descobrir o grande filósofo moderno Friedrich Nietzsche. Curiosamente, Nietzsche também se dedicava a compreender as bases do pensamento filosófico que ainda estão presentes na modernidade e por isso estudava os pré- socráticos.
Na oitava série, a professora recomendou aos alunos que escolhessem um livro para ler durante as férias. No primeiro dia de aula, ela perguntou a cada um de nós o que havíamos lido, e eu respondi que escolhi A Águia e a Galinha de Leonardo Boff. Boff é um autor cristão que aborda diversos aspectos metafísicos e essa obra é uma verdadeira metáfora sobre a condição humana. Ela discute temas relacionados à luta de classes, ao papel dos trabalhadores, estudantes e professores na formação das pessoas e de como elas se colocam em papéis de subserviência ou de liberdade. Quando compartilhei essa referência com meus colegas, eles a julgaram como algo extremamente infantil. No entanto, depois que expliquei a metáfora por trás do livro, a sala ficou em silêncio e os alunos refletiram profundamente.
A Águia e a Galinha me impactou de uma forma diferente do Mundo de Sofia. Embora tenha me apaixonado pelas duas histórias, a obra de Boff me encantava pelos mínimos detalhes, até mesmo pela gramatura do papel e pela fonte do texto. Talvez meu interesse pelo objeto-livro tenha começado nesse momento, tanto é que, já adulta, inaugurei uma editora chamada Andrago. Essa admiração se intensificou ainda mais na adolescência, quando comecei a participar de concursos de redação. Lembro-me muito bem desses dias, pois os eventos aconteciam em lugares importantes do Maranhão e ficava muito feliz em participar, os ambientes me agradavam. Desde cedo também adorava escrever e encadernar livrinhos feitos com papel de carta.
A garota rodeada de livros
Os livros sempre estiveram presentes na minha vida. Em um determinado momento, minha mãe me contou que escolheu “Raissa” para o meu nome porque ele significava “aquela rodeada por livros”. Embora essa explicação nunca tenha sido confirmada, identifico-me bastante com ela. Durante a adolescência, fui catequista na Igreja e ensinava o cristianismo para crianças pequenas. A minha visão do processo educacional era um pouco diferente dos outros catequistas, especialmente nos temas relacionados à criação do mundo. Isso porque abordava o tema a partir de uma perspectiva filosófica e que tentava contextualizar a história da religião em relação aos avanços científicos e evolucionismo.
Do meu ponto de vista, esses assuntos não são excludentes, mas meus colegas não concordavam com tal abordagem. Lembro-me de seus olhares surpresos e da desaprovação em relação aos meus ensinamentos, diferentemente das crianças que se sentiam estimuladas a explorar as conexões entre ciência e religião. Assim, à medida em que refletia sobre minhas ações, aprofundava-me nos estudos religiosos e costumava comparar o divino do texto do Antigo Testamento com o do Novo Testamento.
Em certas ocasiões, ouvia as colegas da minha mãe, que trabalhavam com ela no serviço social e eram pessoas muito críticas, falarem sobre como o Deus no Antigo Testamento associava-se à guerra, à morte e aos sacrifícios, enquanto o Deus no Novo Testamento era compreensivo e benevolente e tais ideias rodeavam a minha cabeça com frequência. Desenvolvi um verdadeiro apreço pelo cristianismo que perdura até agora e todas as vezes que encontro alguém interessado em discutir religião, eu debato, escuto e aprendo.
O final dos anos de colégio e o início da universidade
No terceiro ano do Ensino Médio, li O poder do mito de Joseph Campbell, que aborda a relação entre mitologia e religião e mostra como as religiões possuem diferentes formas de expressar sua conexão com o divino. Comecei a identificar padrões nas figuras, representações e mitos e fiquei encantada por esse universo. Campbell trabalha com os conceitos de alteridade e relatividade, muito importantes para compreender a humanidade.
Essas experiências de alteridade e identificação de padrões e identidades me levaram a cursar Ciências Sociais na Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Aos 18 anos, ingressei na faculdade e me deparei com uma série de greves que interrompiam o cronograma do curso. Para não passar por essa situação, tomei a decisão de estudar Direito em uma faculdade particular na mesma cidade.
Por um tempo, continuei as duas formações. Na faculdade de Direito entrei em contato diário com novas referências e autores que desconhecia, sobretudo nas disciplinas de Filosofia, Psicologia, Ciência Política e Teoria Geral do Estado. No primeiro semestre da graduação, as memórias da leitura da A Águia e a Galinha voltavam constantemente. Porém, a metáfora da condição humana discutida por Boff adquiriu uma outra proporção na vida adulta, quando me interessei pela divisão do trabalho, divisão das classes sociais e impactos das guerras na humanidade.
No ensino médio, já havia estudado sobre as guerras mundiais do século XX, mas as palavras e conceitos abstratos dos livros não me sensibilizaram tanto. O esforço para imaginar a dor de pessoas que passaram por essas experiências, como o povo judeu, é um desafio maior. Foi nesse momento que li A condição humana de Hannah Arendt, cuja abordagem me tocou profundamente.
Um pouco antes de entrar na faculdade de Ciências Sociais, li O desespero humano de Søren Kierkegaard, uma obra que representa a base do existencialismo filosófico cristão. Essa leitura me fez questionar o verdadeiro significado da vida, porque desde muito jovem, tive a tendência a ficar deprimida e sentir “todas as dores do mundo”, especialmente daqueles que sofrem discriminação. O texto de Kierkegaard despertou a necessidade de acreditar em algo maior e buscar uma conexão mais profunda com o metafísico. Perseguir o sentido da vida significa amar o próprio destino para uma vida extraordinária.
O Senhor das Moscas
No primeiro ano do curso de Direito, li O senhor das Moscas de William Golding, cuja história me fez visualizar imagens vívidas que me impressionaram profundamente. A leitura estimula a imaginação e as memórias construídas no processo têm o poder de transformação. Lembro-me das cenas e dos movimentos, dos inúmeros conflitos e tentativas de resolvê-los.
O Breve Romance de Sonho, de Arthur Schnitzler, foi outra obra que tive acesso no início da vida adulta. Ela aborda o tema da sexualidade e essa leitura me comoveu de uma maneira especial, especialmente porque refleti sobre a relação que tenho com meu próprio pai. Quando era criança, meus pais se separaram e ele logo casou novamente. Isso foi um grande tabu para mim e me questionava os motivos que levam as pessoas a se envolvem sexualmente com outras enquanto são casadas. O livro de Schnitzler foi muito tocante para mim e, dentre as lições que me ensinou, talvez a principal seja não julgar formas não monogâmicas de relacionamento.
Às vezes, existem abismos e carências profundas dentro de nós, são questões que não podem se solucionar apenas por conclusões e análises superficiais. O Breve Romance de Sonho ampliou meu interesse pelas Ciências Sociais e meu conhecimento sobre outras formas de sexualidade, gênero e relações afetivas. Passei a julgar menos e a perceber que o mundo é muito mais diverso do que imaginava.
Durante o curso de Ciências Sociais, tive a oportunidade de ter aulas com o falecido professor Sérgio Figueiredo Ferretti, um renomado antropólogo que lecionava na UFMA. Há muitos antropólogos importantes no Maranhão, atraídos pela rica cultura afrodescendente e pelas religiões de matriz africana presentes na região. O professor Ferretti e sua esposa, Mundicarmo Ferretti, eram extraordinariamente sensíveis e seus alunos incorporaram novos elementos às suas reflexões, como por exemplo as questões de desigualdade
As antropologias do ser
O primeiro texto que Ferretti apresentou nas aulas se chama Nacirema e foi escrito pelo antropólogo Horace Miner. Trata-se de uma discussão sobre um grupo étnico que pratica diversos rituais, cuidados pessoais e hábitos de convívio com terceiros. Conforme a leitura avança, nota-se que esse grupo é muito familiar porque, na verdade, Miner descreve os americanos e Nacirema significa “americano” ao contrário. Assim, evidencia-se a possibilidade de observar a nós mesmos e aos outros com distanciamento, pois todos somos peculiares.
Nessa fase, também me interessava pela cultura maranhense e pela noção de patrimônio cultural. No Maranhão houve grandes escritores e alguns dos primeiros acadêmicos formados em Direito em Lisboa. No entanto, em relação à literatura, os poetas maranhenses intercambistas não me atraíam muito, porque as métricas que compunham eram muito previsíveis. Isso me motivou a pesquisar algo que se aproximasse mais do estilo que gostava.
Foi então que conheci a obra de Maria Firmina dos Reis, uma escritora negra e do interior do Maranhão e que escrevia muitas vezes utilizando o eu lírico masculino. Seus romances ganharam popularidade recentemente, mas naquela época era difícil encontrá-los. Descobri a autora porque Maria Firmina dos Reis era o nome da escola pública em que eu votava nas eleições. Além disso, também me apaixonei pela obra de Ferreira Gullar, outro escritor maranhense gigantesco, em minha opinião. Saber de nossa identidade territorial comum é motivo de muito orgulho.
Outro poeta que admiro é Carlos Drummond de Andrade, cujos livros estão sempre em minha cabeceira. Tenho uma coleção que reúne seus poemas organizados por eixos temáticos, como romantismo, erotismo, assuntos do cotidiano, infância, saudade, entre outros. De fato, há um texto de Drummond para cada situação da vida.
Conforme avançava minha jornada acadêmica, comecei a perceber relações entre os temas que estudei ao longo do tempo. No fim da faculdade de Direito, decidi que faria o mestrado no departamento de Ciências Sociais. Isso ocorreu porque, no sexto período da formação jurídica, realizei um estágio obrigatório e não consegui acompanhar os dois cursos simultaneamente. Optei por continuar no Direito apenas porque estava mais próximo de concluir os créditos, mas nunca deixei de gostar das discussões sociais.
Adentrando as Ciências Sociais
Embora a tendência do mercado seja estimular o estudante a ter graduação e pós-graduação na mesma área, naquele momento eu desejava pesquisar na área das Ciências Sociais. Logo na seleção para o mestrado na Federal em Antropologia e Sociologia, iniciei a leitura de Economia e Sociedade de Max Weber, mas não conseguia avançar na leitura. Fiquei insegura e conversava com uma amiga que estava no final do mestrado sobre a dificuldade que enfrentava. Eu era incapaz de ir além das primeiras três páginas e ela me incentiva a perseverar, mesmo que fosse necessário retornar várias vezes no texto. Houve momentos em que me senti desestimulada e convencida de que nunca conseguiria vencer a densidade e a exigência daquela leitura. Já havia lido e aproveitado muito outros trabalhos de Weber, como Ciência e Política: Duas Vocações, mas Economia e Sociedade foi um grande desafio. Hoje ele é a base para as pesquisas mais importantes que desenvolvi na vida, especialmente pela metodologia.
Naquele momento, o livro A Imaginação Sociológica de Charles Wright Mills auxiliou muito na escrita de minha dissertação porque me mostrou outras perspectivas para analisar a sociedade. Meu tema do trabalho de conclusão de curso na graduação era a proteção do patrimônio cultural imaterial das embarcações artesanais do Maranhão e a intenção era demonstrar como as paisagens e modos de fazer e viver são bens culturais que devem ser juridicamente protegidos, e, no mestrado, resolvi aprofundá-lo em relação aos modos de produção e expropriação dos recursos naturais das populações tradicionais no modelo de governança ambiental em que estamos inseridos. No mestrado, tive orientação do professor Horácio Antunes Sant’ana Júnior, grande mestre e pessoa. Seu livro, Florestania, também merece habitar cabeceiras.
Os aspectos jurídicos da relação entre o homem e o meio ambiente são temas que estudo até hoje, especialmente sob o ponto de vista da alienação do mundo do trabalho e da expropriação dos modos de produção. Isso porque, desde o mestrado, a obra de Karl Marx exerceu grande influência sobre mim. Tudo isso forma um imaginário coletivo sobre a natureza e, com o passar do tempo, novas perguntas surgiram como: o que a natureza representa para aqueles que trabalham com recursos naturais? E para aqueles que fazem uso social desses recursos? E quem explora recursos em territórios protegidos?
O mestrado
Durante o mestrado, participei de um programa de cooperação acadêmica entre o Maranhão (UFMA) e o Pará (UFPA). Foi lá que concluí a pesquisa e, em seguida, iniciei o doutorado sob orientação da professora Maria José Aquino Teisserenc. Ela e seu esposo, Pierre Teisserenc, que veio a ser meu co-orientador sempre ressaltaram a competência dos pesquisadores brasileiros e que era uma tolice deslumbrar-se com grandes nomes do exterior. Isso fortaleceu minha autoestima e fui a primeira da turma a encarar o exame de qualificação para poder passar um ano letivo em estágio sanduíche na França. Sob sua orientação aprofundei-me no campo da sociologia da ação pública, ainda pouco explorado no Brasil. Os livros, sem dúvida, mais importantes naquele momento foram Sociologie de l’Acción Publique (Pierre Lascoumes e Patrick Le Galès) e L’Accion Publique et L’environment (Pierre Lascoumes). Inclusive, tive a belíssima oportunidade de conhecer o professor Lascoumes pessoalmente em Bordeaux, em uma apresentação de seminário realizada na Faculdade de Bordeaux, em que lecionou o grande Émile Durkheim, autor fundamental para análises importantes sobre divisão social do trabalho, modernidade, educação, criminalidade e, mais especificamente, embasa, mesmo que primitivamente, minhas pesquisas recentes sobre saúde mental e meio ambiente.
Voltando à Lascoumes, seus temas de estudo me interessam muito e utilizo suas abordagens em todos os meus trabalhos. Isso porque ele relaciona a ação social e individual aos direitos sociais e às políticas públicas. Seus esquemas analíticos são completos e a abordagem da sociologia da ação pública e meio ambiente é uma constante em meus artigos.
Pequena, mas intensa, passagem pela França
Durante o tempo em que morei na França (um ano letivo), adquiri diversos livros de Weber sobre Direito e Sociologia do Direito. Suas obras de Introdução ao Estudo do Direito são mais acessíveis e a linguagem é completamente diferente de Economia e Sociedade. Além disso, li intensamente os textos de Jean Carbonnier, um importante sociólogo do direito francês. Posteriormente, em meados de 2020, conheci o professor José Eduardo Campos de Oliveira Faria. da Universidade de São Paulo, que também utiliza Weber e Carbonnier como referências. Por causa de nossa afinidades, estabelecemos uma relação próxima de pesquisa e trabalhamos juntos até hoje, ministrando a Cátedra de Sociologia Jurídica na Escola Superior da Advocacia de São Paulo. Nos últimos três anos, discutimos os clássicos da sociologia brasileira, como Florestan Fernandes, Gilberto Freyre, Caio Prado e Victor Nunes Leal, sempre de perspectivas críticas, além das transformações no mundo do direito e profissões jurídicas..
O pós do pós
No doutorado, estudei governança hídrica com base no referencial teórico que adquiri na dissertação. Max Weber e Norbert Elias foram os autores que mais me influenciaram nesse momento, sobretudo a teoria da configuração social que evita analisar a sociedade sem levar em consideração o ponto de vista do indivíduo. Na tese estudei governança hídrica e a entrada das questões de degradação ambiental de um importante rio maranhense, o Itapecuru, na agenda política local e nacional.
Posteriormente, no pós-doutorado no Programa de Ciências Ambientais do Instituto de Energia e Ambiente da USP (IEE/USP), concentrei-me no tema dos impactos ambientais e das emissões de gases de efeito estufa. A sociologia da ação pública continuou a me auxiliar metodologicamente e me preparou para enfrentar qualquer desafio sociológico. No entanto, ao tratar da mitigação de gases de efeito estufa, as leituras se tornaram demasiadamente técnicas e senti falta de me aprofundar em textos mais teóricos.
Apesar do meu trabalho concentrar muita leitura, consigo relaxar quando estudo sociologia jurídica. Desse modo, mergulhei nas obras de José Eduardo Faria sobre Sociologia Jurídica no Brasil e Direito na Economia Globalizada. Hoje, tenho a honra de dizer que em breve um importante livro seu será publicado pela minha editora.
Outro autor que teve um impacto significativo em minha formação e está frequentemente em minha cabeceira é Raymond Aron, que aborda os clássicos da sociologia. Sempre que me sinto perdida quanto a qualquer tema de relevância sociológica, retorno às suas obras para encontrar orientação
Leituras principiológicas
Como a necessidade de buscar o que é principiológico permanece comigo até hoje, recentemente ingressei em um novo mestrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em Filosofia e Teoria do Direito. O desejo de retornar às origens da literatura, motivou-me a ler A epopeia de Gilgamesh, considerado o primeiro livro escrito no mundo. Embora essa história pareça ter sido escrita com narrativa pueril, ela instiga a uma compreensão profunda das relações humanas e dos conflitos que permeiam a humanidade ao longo dos milênios. Isso demonstra que alguns dos embates são universais e dependem da fase da vida de cada indivíduo.
Em seguida, li as obras de Homero e A Ilíada se tornou meu livro de cabeceira ao longo do primeiro semestre do ano passado. É curioso que nós, brasileiros, inspiremos-nos na mitologia grega e não na nossa própria de origem indígena e africana para explicar alguns arquétipos. Devemos refletir o motivo de utilizar a cultura grega como referência para arquétipos, exemplos e argumentos e introduzir nossas próprias referências identitárias.
Outra leitura que me impactou nos últimos anos foi O Amor à Maneira de Deus, do Padre Júlio Lancellotti. Tive o privilégio de conhecê-lo pessoalmente e de assistir às suas missas. Ao tomar conhecimento de seu livro por meio das redes sociais, fiquei entusiasmada e comprei um volume imediatamente. Por meio dessa obra, aprendi mais sobre a trajetória política do Padre e como ele consegue conciliar o amor ao próximo e o trabalho na sua vida.
É interessante notar que ao longo de toda a vida adulta mantive o interesse nos temas religiosos e esotéricos. Explorei bastante o assunto, incluindo o I-Ching, cuja leitura requer técnicas específicas. Essa obra trata da mitologia chinesa e aborda diversos aspectos morais. Também li sobre a cultura hindu e até mesmo os livros sobre ocultismo de Helena Blavatsky, que provocam uma confusão gostosa de sentimentos, como curiosidades, incômodos e dúvidas e estímulos à imaginação.
Sempre estive aberta para conhecer todos os tipos de livros e, caso o primeiro contato não me agradasse, não teria problema nenhum em abandonar. Nos últimos seis anos, descobri a obra psicografada pela médium Eva Pierrakos, um conteúdo fundamental para auto-análise e conhecimento das máscaras individuais que o coletivo vai moldando. Outros livros espíritas também têm espaço na minha cabeceira, como O Evangelho Segundo o Espiritismo.
A religião e a mística me dão forças nos momentos em que preciso. Quando perdi minha mãe, encontrei conforto nos Evangelhos, especialmente o Evangelho segundo João, cuja escrita é doce e amorosa. João era o discípulo amado por Jesus, e ao falar sobre amor, transmitia esperança e alento.
Após o falecimento da minha mãe, decidi que, para agradecer todas as graças alcançadas, distribuiria o Evangelho de João sempre que possível. Fazer algo de boa vontade gera energias positivas que retornam, porque há uma força inexplicável no ato de doar um livro nas mãos de alguém, é mais que um presente.
A vinda para São Paulo
Vim para São Paulo em 2014 e continuei investindo na formação acadêmica, como dito, fiz o pós–doutorado e estou concluindo o novo mestrado. Tenho mais de 15 obras publicadas, seja sozinha ou em coautoria. Porém, aqueles pelos quais mais tenho apreço são frutos da minha trajetória de pesquisa e formação, quais sejam: Itapecuru: Governança Hídrica na Amazônia Oriental; Cultura, Natureza e Produção: A Carpintaria Naval Artesanal em Raposa-MA; e Patrimônio Cultural Imaterial: A Carpintaria Naval Artesanal do Maranhão como Estudo de Caso.
Em 2020, comecei a trabalhar como pesquisadora na Escola Superior da Advocacia. Naquela época, a gestão focava-se em desenvolver pesquisas próprias, assim como oferecer programas de pós-graduação. Contudo, não havia ninguém responsável pela publicação dos livros escritos pelos professores da instituição. Manifestei interesse em assumir essa função e, junto de meus colegas, publicamos oito livros em dois anos. Como os processos funcionavam bem, começamos a nos questionar se deveríamos publicar livros de professores externos. Então, estudei com avidez os assuntos relacionados à revisão, diagramação, etc..
Com a mudança de gestão, o interesse da Escola em manter tais atividades diminui, mas como adquiri conhecimentos editoriais, decidi inaugurar minha própria editora. Ela se chama Andrago, pois meu objetivo inicial era focar na publicação de obras relacionadas à andragogia, que a rigor seria a educação de adultos. No entanto, percebi que muitos clientes se interessaram em publicar livros infantis. Diante dessa abertura de possibilidades, o primeiro livro lançado se chama A Casa da Princesa e trata da descrição de experiências e imaginários sobre uma gruta localizada em Quixeramobim, no Ceará, que possui uma aura mística, de Célia Maria Leite.
A Editora Andrago está com vários livros infantis em processo de diagramação. Em relação aos livros voltados para o público adulto, os publicados até o momento derivam de pesquisas ou coletâneas de artigos científicos. Mesmo que ainda não tenha explorado o universo da literatura, temos um projeto editorial de livro de poesias que aborda a relação entre educadores, pais e filhos com a infância.
A cabeceira compartilhada
Sou mãe de um menino lindo de oito anos e temos dezenas de livros infantis sobre os mais variados temas. Atualmente, estamos lendo Os contos dos irmãos Grimm, com tradução de Tatiana Belinky, uma edição mais que especial da editora Paulus. Ele já lê muito bem e a leitura é um momento de aprendizado e cumplicidade entre nós.
Na cabeceira, hoje
Atualmente, em minha mesa de trabalho estão o livro Ciência e Política: Duas Vocações de Weber e textos de Norberto Bobbio, pois seu “pessimismo otimista” me motiva a encarar o segundo mestrado e as atividades do Instituto, já que trato de temáticas de Democracia e Participação Pública. Além da pós-graduação atual, realizei diversas pesquisas sobre participação pública relacionadas ao gás de xisto, perfuração hidráulica, energias renováveis e em processos de mitigação de gases do efeito estufa no Pós-doutorado do PROCAM/IEEUSP, finalizado no primeiro semestre deste ano..
Em minha cabeceira, há sempre um livro de José Eduardo Faria. Atualmente, leio Degradação Democrática: O Brasil em Risco, publicado em 2022. Inclusive, na introdução do livro, há um agradecimento especial para mim, o que foi um imenso prazer. Não tenho palavras para expressar o significado desse gesto. É mais que um livro de cabeceira, é um amuleto da sorte. E, como dito, da minha cabeceira não sai Os Pré-socráticos, da coleção Os Pensadores, que, ultimamente, até inspiram algumas aventuras poéticas minhas.
Quer saber mais sobre esses e outros temas? Acesse a página do Diálogos INB e confira todas as entrevistas realizadas com profissionais e professores de diversas áreas do conhecimento!