Escola de Frankfurt por Olgária Matos

Olgária Chain Féres Matos é professora titular aposentada da Universidade de São Paulo e professora titular no Departamento de Filosofia da EFLCH-Unifesp, onde é Coordenadora da Cátedra Edward Saïd (Unifesp). Sua tese de doutorado Os arcanos do inteiramente outro ganhou o Prêmio Jabuti de Ciências Humanas em 1990,quando foi lançada pela editora Brasiliense. Também escreveu Paris 1968. As Barricadas do Desejo, volume 9 da Coleção Tudo É História da Editora Brasiliense, entre outros livros e artigos.
Olgária Chain Féres Matos é professora titular aposentada da Universidade de São Paulo e professora titular no Departamento de Filosofia da EFLCH-Unifesp, onde é Coordenadora da Cátedra Edward Saïd (Unifesp). Sua tese de doutorado Os arcanos do inteiramente outro ganhou o Prêmio Jabuti de Ciências Humanas em 1990,quando foi lançada pela editora Brasiliense. Também escreveu Paris 1968. As Barricadas do Desejo, volume 9 da Coleção Tudo É História da Editora Brasiliense, entre outros livros e artigos.

No dia 28 de fevereiro de 2023, a pesquisadora do INB, Júlia Albergaria, conversou com a professora Olgária Matos sobre a Escola de Frankfurt.

INB: A Escola de Frankfurt é composta por professores que se tornaram referências para o pensamento social moderno. Qual é o contexto originário de sua formação e quais são suas principais contribuições?

Olgária: O círculo de autores composto por Max Horkheimer, Herbert Marcuse, Theodor W. Adorno, Walter Benjamin e, em certa medida, Friedrich Pollock,entre outros,  fundou em 1923 o Instituto para a Pesquisa Social. Cada um desses autores possuía influências intelectuais diversas. Horkheimer, por exemplo, era leitor de Schopenhauer e estudioso de seu “pessimismo clarividente”, enquanto Marcuse aproximava-se da dialética de Hegel e da fenomenologia existencial de seu orientador de tese, Martin Heidegger. Já Adorno dedicou-se particularmente ao estudo das obras de Immanuel Kant e Hegel e Benjamin explorava seu Messias alegórico. Por sua vez, Pollock discutia o capitalismo de Estado e os diferentes autores citados frequentavam as obras de  Kant, Hegel e Marx, assim como Freud, Montaigne e Bergson.

O Instituto de Pesquisa Social, fundado em Frankfurt, passou a ser denominado, nos anos 1950, Escola de Frankfurt. A Teoria Crítica, associada a ela, desenvolveu-se tendo como contexto histórico a unificação alemã durante a Guerra Franco-Prussiana de 1871, realizada sob o comando de Bismarck e, consequentemente, sob a hegemonia da Prússia, da burocracia e do militarismo. Na época, afirmava-se que a Alemanha não era um país com um exército, mas um exército que possuía um país. A identidade recente da Alemanha, a rivalidade com as potências coloniais como a Inglaterra e a França, os nacionalismos europeus e conflitos por fronteiras mal definidas, levaram à Primeira Guerra Mundial de 1914-1918. Após a guerra, houve a proclamação da República na Alemanha em 1919, com a capital em Weimar.

Durante esse período, a República de Weimar viveu em um “estado de exceção”, que se justificava em nome do artigo 48 da Constituição. Isso ocorreu devido aos conflitos sociais, ao desemprego, à hiperinflação e aos intensos confrontos entre a esquerda e a ascensão do Nazismo. Foi um momento caracterizado pela descrença na jovem democracia parlamentar.

A derrota da Alemanha e o Tratado de Versalhes, também conhecido como a “humilhação de Versalhes”, impuseram à Alemanha indenizações de guerra extorsivas, a privação de um exército nacional e a perda de territórios. Todas essas tensões  culminaram na Segunda Guerra Mundial de 1939-1945. Foi um período que testemunhou grandes esperanças revolucionárias, com o comunismo prometendo internacionalismo e ideais de solidariedade, mas também grandes decepções históricas, com a deriva totalitária na URSS, principalmente sob Stalin.

Nesse contexto, a Teoria Crítica da Sociedade; em vez de analisar esses fenômenos apenas do ponto de vista marxista da luta de classes, enfatizou a dominação política, considerando-a como uma “servidão voluntária” no lugar da exploração econômica. A questão frankfurtiana era: “Por que os indivíduos escolhem livremente seus próprios opressores? Por que a vítima se torna perseguidora de si mesma?” A Teoria Crítica encontrou, nas questões teóricas, no pensamento analítico, dualista, mecanicista, abstrato, maniqueísta e matematizante, o eclipse do pensamento crítico, aquele da dúvida, da autonomia e da emancipação. Os autores frankfurtianos reconheceram que a ciência e a técnica modernas, de domínio sobre a natureza e sobre os seres humanos, exerciam um poder de controle que se sobrepunha ao pensamento crítico e livre. A técnica substituiu a lei pela norma e a norma pela fórmula para o funcionamento automático do pensamento.

A universalização da técnica e sua autonomização, que seguem uma lógica própria, resultam em “processos sem sujeito”. Os seres humanos perderam o controle da técnica, que agora os controla. Daí sua obsolescência  e também a da Terra, juntamente com o projeto de “guerra nas estrelas”. A cultura humanista, com sua ênfase nas disciplinas literárias e históricas, no amolecimento dos costumes e na coesão dos laços sociais, desaparece sob a hegemonia do pensamento calculista, no qual o único aspecto relevante na relação entre meios e fins é o resultado de máximo rendimento em um mínimo de tempo.

Os frankfurtianos estudaram o fenômeno da universalização do fetichismo da técnica e da novidade como ontologicamente positivos. Analisaram a unificação do mundo sob a dominação da técnica e da economia, tornando os indivíduos apenas um conjunto de objetos sem defesa em um mundo que não é propriamente humano, mas sim do Capital. Devido à cientificização de todas as relações, não se fala mais em desejo, mas em sexologia, não mais em natureza, mas em ecologia, não mais em infância, mas em pedagogia. Esse processo de abstração, formalização, burocratização, intelectualização e racionalização crescentes resulta em um mundo anti-humano. Por isso, Adorno observou que hoje “a felicidade é uma ciência esquecida”, aludindo aos valores da cultura grega clássica, uma grande referência da cultura ocidental.

INB: É comum associarmos a Escola de Frankfurt à Teoria Crítica, apesar de suas mais variadas formulações. Na sua opinião o que caracteriza a(s) Teoria(s) Crítica(s) diante da teoria tradicional?

Olgária: Para a Teoria Crítica, a ascensão do Partido Nacional-Socialista ao poder deveu-se à “teoria tradicional” desenvolvida pelas forças de esquerda, com exceção de Rosa Luxemburgo e da Liga Espartaquista. Como o Partido Socialista Alemão, o maior partido organizado na Alemanha, havia votado a favor dos créditos de guerra e renunciado aos valores pacifistas e internacionalistas, seus dissidentes fundaram o Partido Comunista Alemão. Esse, por sua vez, não aceitou uma frente única com os socialistas para barrar a ascensão ao poder do nacional-socialismo.

O Partido Comunista Alemão e sua “teoria tradicional”, mecanicista, necessitarista e controladora do tempo histórico, guiaram-se pela ideia de que os nazistas no poder falhariam em realizar seu programa de governo, que incluía pleno emprego e paz social. Ao contrário dessa perspectiva “dedutiva”, que envolve um encadeamento ininterrupto de acontecimentos, característica da teoria tradicional teleológica, a Teoria Crítica é sensível à contingência, às ações que parecem necessárias no momento, mas são aleatórias no tempo. Nesse sentido, estabelece-se uma compreensão de que a história segue um único sentido.

A história também se volta para a utopia e a “nostalgia do inteiramente outro”. Em uma coletividade transformada em massa atomizada, na qual nada vincula um ao outro e todos são dominados pelo ressentimento nacional, pelo medo e pela insegurança, o ditador representa a certeza. De certa maneira, sua ação diminui a angústia coletiva. Por isso, Horkheimer e Adorno observam: “O símbolo da inteligência é a antena do caracol […]. Diante de um obstáculo, a antena é imediatamente recolhida para o abrigo protetor do corpo; ela se reintegra ao todo e só ousará sair novamente como um órgão independente de maneira muito hesitante. Se o perigo ainda estiver presente, ela desaparecerá novamente, e a distância até a repetição da tentativa aumentará. Nos seus começos, a vida intelectual é infinitamente delicada […]. O corpo é paralisado pelo ferimento físico, o espírito pelo medo.”

INB: Hoje em dia, temas como autoritarismo e fake news têm dominado os debates nacionais e internacionais. De que modo as teses da Escola de Frankfurt podem nos auxiliar a compreender a contemporaneidade?

Olgária: Os filósofos frankfurtianos, em sua maioria de origem judaica, foram foragidos da Alemanha nazista e antissemita e passaram a refletir sobre o fenômeno da ideologia e da “sociedade totalmente administrada”, do “pensamento único”, sem oposição ou contradições. Assim, a ideologia é o fenômeno que simplifica a complexidade do mundo com o pensamento dualista do amigo-inimigo, com a finalidade de dominar as massas.

A Teoria Crítica, por outro lado, se orienta pelas ideias de educação humanista formadora do pensamento, da autonomia da vontade, da emancipação política e da urgência de cada um ser capaz de pensar por si mesmo. O Eclipse da Razão de Horkheimer, A Ideologia da Sociedade Industrial de Marcuse, Charles Baudelaire, um Lírico no Auge do Capitalismo de Benjamin e A Dialética do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer são obras que refletem sobre as razões que inviabilizam o pensamento capaz de discernir entre o verdadeiro e o falso. Nesse sentido, no pensamento dualista desaparece o exercício da dúvida, o que instala o dogmatismo.

Desaparece também o sujeito autônomo capaz de ser o fundamento de sua própria consciência, de seus direitos e responsabilidades. Esse sujeito cede à massificação e à doxa dominante, sem exame crítico. Também a ideia de autoridade legítima – não a noção de autoridade pré-moderna para a qual não há discussão – se desfaz, com a desinstitucionalização das instituições e a descrença nelas, em sua capacidade de criar coesão social, sobrevivência, segurança, justiça e liberdade.

 Neste âmbito, o que se denomina “fake news” é um fenômeno contemporâneo diverso da mentira. Esta dissimula ou desnatura a norma do “verdadeiro” e a transgride, enquanto as fake news se inscrevem na pós-verdade, sendo assim indiferentes ao verdadeiro e ao falso. As fake news procedem da deslegitimação radical do adversário, definido como comunista ou como fascista. É a deslegitimação permanente, e não aquela que pode ser circunstancial e pontual, de discursos, narrativas e instituições que produzem angústia e instabilidade.

 Assim, as fake news estão no campo das análises frankfurtianas da indústria cultural, da proliferação de clichês e da metamorfose da informação em mercadoria. Neste sentido, as mídias respondem a um mercado consumidor e produzem o pensamento único dominante, uma versão única de acontecimentos “sem origem”, disseminadoras de estereótipos. “Fake news é um signo que se transformou em poder de diversão e também um álibi para uma censura generalizada do Estado que mascara as causas sistêmicas do descrédito da palavra pública […]. Pode-se, evidentemente, se desembaraçar das fake news considerando o fenômeno como um último avatar da velha desinformação na época das redes sociais, ou, ao contrário, interrogá-lo como um sintoma da transmutação do sistema político pela lógica neoliberal, transmutação que tem por efeito desarticular todas as formas de deliberação democrática […]. As redes sociais disseminam uma espécie de incredulidade generalizada, de suspeita. Assim como a inflação monetária arruína a confiança na moeda, a inflação de ‘histórias’ arruinou a confiança nas narrativas e nos narradores”, como escreve Christian Salmon.