No dia 17 de fevereiro de 2023, a pesquisadora do INB, Júlia Albergaria, se reuniu com a pesquisadora Vanessa Guimarães para falar sobre as leituras que marcaram a sua vida. Vanessa foi agraciada com o primeiro lugar na categoria pós lato sensu.
O ponto chave
Se eu tivesse que identificar um ponto chave que serviu de mudança significativa na minha formação, seria o momento em que conheci as autoras feministas. Foi a partir daí que comecei a ter um olhar mais crítico não apenas sobre questões de gênero, mas também sobre questões sociais do mundo. Agora mesmo, tenho um livro ao meu lado que reúne textos de várias autoras de diferentes origens. Elas não debatem apenas gênero, mas discutem a sociedade de maneira abrangente.
Para mim, é importante entrar em contato com autoras indígenas, camponesas, marxistas e liberais, que partilham de uma visão decolonial da sociedade. Elas me trouxeram perspectivas muito importantes para entender como as coisas são e tentar, quando escrevo, estabelecer um diálogo com diversas perspectivas. Nunca foi minha intenção aprender ou escrever com base em um único fundamento teórico. É como Chimamanda Ngozi Adichie discute a chamada “história única”.
Entre os textos feministas, mergulhei fundo nas obras das autoras do feminismo negro e aprendi muitíssimo. Pensadoras como Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Ana Flauzina, Winnie Bueno e Patrícia Hill Collins me ensinaram sobre um universo que eu não conhecia e me apresentaram novos pontos de vista. Na verdade, eu até observava essa realidade, mas tomei conhecimento de dados que ainda não tinha. Eu considero que essas leituras foram muito importantes para escrever o meu projeto de pesquisa e também para minha vida.
Nos textos que pretendo escrever no futuro, tenho certeza que vou dialogar com as questões que essas autoras levantaram. Uma outra obra que me impactou se chama Esperança Feminista, escrita pela advogada e professora Débora Diniz e pela Ivone Gebara. Eu conheci a professora Débora Diniz durante a pandemia da COVID-19, quando encontrei seu perfil no Instagram. Ela abria lives e conversava com os seguidores sobre diversos assuntos e, dessa conversa, surgiu a ideia de fazer um curso de metodologia jurídica pela própria plataforma. O engajamento foi tão positivo que hoje o projeto se tornou um curso de extensão da Universidade de Brasília (UnB).
O livro Esperança Feminista trata da metodologia a partir de um olhar feminista que questiona a lógica imposta, algo muito forte na formação jurídica. É comum verificar que a bibliografia dos cursos de Direito no país é formada por autores e não autoras. E isso não acontece porque faltam mulheres competentes para discutir as mais variadas disciplinas.
Por exemplo, a professora da UnB Christine Oliveira Peter da Silva trouxe a ideia de constitucionalismo feminista. Inclusive, a professora Christine Peter criou uma página no Instagram chamada As Constitucionalistas, na qual ela conta a história das mulheres que participaram da Assembleia Constituinte. Esse é um trabalho muito interessante do qual aprecio muito.
A paixão pela leitura
Diferentemente de outras pessoas, eu não comecei a gostar de ler nos primeiros anos da minha infância. Apesar de sempre ter apreciado o questionamento e o diferente, acredito que o meu vínculo com a leitura se estabeleceu na adolescência, quando tive acesso a livros feministas e comecei a devorá-los de verdade. O primeiro deles foi O Segundo Sexo de Simone de Beauvoir, que me impressionou muito. A partir desse momento, comecei a devorar tudo o que encontrava sobre o assunto.
Quando fiquei mais velha, decidi fazer diversas formações universitárias. Me recordo vividamente que, durante a faculdade de Pedagogia na UERJ, estava muito envolvida com os movimentos sociais. Nesse período, lia o que podia sobre o MST e sobre formação humana, buscando conhecer realidades às quais não tinha acesso anteriormente. Depois, migrei para a dança. Comecei a estudar filósofos como Deleuze e Guattari, sempre com o pensamento feminista permeando tudo isso. Já na faculdade de Direito, li muitas obras dogmáticas para fazer conexões com toda a bagagem que adquiri.
Articular todas essas leituras é um desafio. Em um primeiro momento, parece que elas tratam de mundos separados, que não têm uma ligação entre si. Mas o fato é que, ao estudar Direito Constitucional, é importante ter em mente os autores que discutiram a realidade latino-americana sob uma perspectiva filosófica e sociológica. Apesar das dificuldades, esse é o caminho que pretendo seguir adiante.
Uma outra leitura que contribuiu para a minha formação é a tese do professor Siddharta Legale, que foi meu orientador na pós-graduação. Ela trata dos casos jurisprudenciais discutidos na Corte Interamericana de Direitos Humanos de uma forma extremamente didática. E, debate o papel contemporâneo da Corte IDH como um Tribunal Constitucional Transnacional. Além disso, ele publicou diversos livros sobre direitos humanos que me apresentaram a realidade política e jurídica latino-americana não debatida na formação jurídica tradicional.
Cabe lembrar os efeitos de casos julgados pelo sistema interamericano no ordenamento jurídico brasileiro que, por vezes, sequer são mencionados. Como por exemplo a Lei Maria da Penha e as mudanças que ela causou no país. Elas foram impulsionadas pelo sistema, com diálogos entre o Brasil e a Comissão Interamericana.
Na cabeceira, hoje
Atualmente, estou preparando material para escrever mais um livro. Para isso, comecei a ler sobre constitucionalismo. Como busco abordagens interseccionais, estou me aproximando de autores que discutem o assunto a partir de recortes étnico-raciais, como Thula Pires, Marcus Queiroz, entre outros.
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