No dia 2 de março de 2023 a pesquisadora do INB se reuniu com a finalista da 1ª Edição do Prêmio Raymundo Magliano Filho na categoria pós graduação stricto sensu, Anna Carolina Migueis Pereira, para falar sobre as leituras que mais marcaram sua trajetória.
Desde que me entendo por gente, sempre gostei de ler. A leitura é algo muito afetivo para mim; lembro-me de que algumas das minhas primeiras lembranças são da minha mãe contando histórias de livrinhos infantis antes de dormir.
Fui alfabetizada com os quadrinhos da Turma da Mônica. Era um evento semanal que esperava ansiosamente o dia de ir à banca comprar uma nova revista. Durante as férias, o Almanaque da Mônica era uma companhia para poder ler as histórias, colorir e jogar o joguinho dos sete erros.
Quando fiquei um pouco mais velha, comecei a gostar de todos os tipos de livros. Lembro-me de, na quinta série, ter lido um exemplar da coleção Vagalume chamado O Escaravelho do Diabo. Deve ter sido meu primeiro livro infantojuvenil; eu tinha cerca de 11 anos e adorei a experiência. Sentia-me muito mais crescida ao ler aquele livro, pois ele era misterioso, e o leitor era incentivado a descobrir quem estava enviando os bichos envenenados para as pessoas. Depois disso, li quase toda a coleção.
Naquela época, também tive um primeiro contato com as histórias do Harry Potter. Li quase todos os livros na medida em que eram lançados. Ao longo da minha adolescência, outras histórias me cativaram como A Droga da Obediência de Pedro Bandeira e As Brumas de Avalon de Marion Zimmer Bradley. Esses livros eram muito populares entre adolescentes dos anos 2000. E depois, já um pouco mais velha, li também livros que geralmente marcam as pessoas, como “1984” e “O Sol Nasce Para Todos”.
Entre o final do ensino médio e o início da faculdade, eu acompanhava com frequência as listas dos melhores livros do mundo e devorei muitas dessas obras. Porém, cada vez mais a vida impunha suas obrigações. Por causa do estágio, lia cada vez menos literatura e isso piorou ainda mais quando comecei a me dedicar aos concursos públicos.
Nesse período, houve uma espécie de hiato em que li muito pouco. Durante o mestrado e o doutorado, também concentrei-me nas obras jurídicas e quase não lia romances. Recentemente, quando estava morando nos Estados Unidos para meu período de doutorado-sanduíche, comprei um Kindle e pensei que fazia muito tempo desde a última vez que li. É uma sensação horrível, pois sempre fui uma leitora ávida. Quando era adolescente, por exemplo, costumava levar um livro comigo durante a viagem de ônibus para a escola ou enquanto realizava tarefas do dia-a-dia, como enfrentar filas de bancos ou ir ao salão de beleza.
Eu sempre tinha um livro debaixo do braço, mas ao longo dos anos, acabei me distanciando um pouco disso. Primeiro, por causa das obrigações de trabalho, depois porque o celular prejudica muito a leitura. O Kindle me ajudou a cultivar novamente esse hábito. No ano passado, li O Avesso da Pele de Jeferson Tenório, Torto Arado de Itamar Vieira Juniore e A Casa dos Espíritos de Isabel Allende. Também li alguns livros com temática mais feminina, como A Pediatra de Andrea del Fuego e Suíte Tóquio de Giovana Madalosso. Também li Eu sei por que o pássaro canta na gaiola de Maya Angelou e alguns livros de não ficção, como PT: Uma História de Celso Rocha de Barros e República das Milícias de Bruno Paes Manso. Atualmente, estou lendo Um Defeito de Cor de Ana Maria Gonçalves, mas estou progredindo devagar por ser um livro bem extenso. Em geral, prefiro livros mais curtos, que são lidos mais rapidamente.
Durante o mestrado, só conseguia ler materiais acadêmicos relacionados à minha dissertação. Comecei minha pesquisa sobre crise econômica em 2014 e pretendia discutir o contexto político que remonta à crise de 2008. No início, meu projeto focava-se nas políticas anticíclicas dos campeões nacionais e no conceito de Capitalismo de Laços. Uma das minhas principais referências foi o livro do Sérgio Lazzarini, Capitalismo de Laços e o Fim do Livre Mercado: quem vence a guerra entre Estado e corporações de Ian Bremmer. Eram obras que exploravam a expansão do papel do Estado no domínio econômico, entre outros temas.
Entretanto, ao longo do mestrado, o Brasil começou a enfrentar sérios problemas econômicos. Meu trabalho estava desatualizado antes mesmo de nascer, pois o país implementou cada vez mais medidas de austeridade. Com isso, tive que incluir, de última hora, uma seção sobre o tema, pois o tempo estava se esgotando. Não foi algo de que eu tenha gostado muito. O resultado final da minha dissertação não foi totalmente do meu agrado. Tanto que não a publiquei na época, só o fiz recentemente por meio de um e-book.
Durante o doutorado, dediquei todos os meus esforços a escrever o melhor trabalho que eu pudesse. Nesse processo, a leitura que mais me impactou foi a obra The Politics of Institutional Weakness in Latin America (em português, A Política da Fraqueza Institucional na América Latina), que é uma coletânea de artigos, ainda sem tradução, editada por Daniel Brinks, Steven Levitsky, e Maria Victoria Murillo. Esse livro é realmente excepcional e aborda exatamente a questão de por que as coisas na América Latina não avançam como deveriam. E eles discutem muito sobre como não basta apenas mudar as normas, porque há todo um contexto institucional que pode favorecer ou dificultar o progresso.
Esse livro desempenhou um papel fundamental na minha tese, mas certamente não foi o único. O artigo The Quality of Public Servants Determine the Quality of the Public Service (A Qualidade dos Servidores Públicos Determina a Qualidade dos Serviços Públicos, sem tradução), de Matthew Stephenson, também foi de grande importância. Além disso, todo o trabalho de Gabriela Lotta, professora da Fundação Getulio Vargas, uma das maiores especialistas no assunto de burocracias públicas no Brasil e por quem tenho grande admiração, foi fundamental para a minha tese. Tudo o que ela escreve é absolutamente incrível.
As leituras dos autores clássicos também foram essenciais nesse processo. Dentre elas, destaco Economia e Sociedade de Max Weber, pai das burocracias modernas e que no século XIX que já abordava a tensão entre burocracia e democracia, e Street-Level Bureaucracy: dilemmas of the individual in public services, de Michael Lipsky, obra seminal sobre o tema publicada originalmente nos anos 1980. Lipsky é conhecido pelo conceito de “street-level bureaucracy” (burocracia de nível de rua ou, simplesmente, BNR, na literatura especializada), o que também já é um clássico na sociologia. O termo aborda o papel dos servidores que lidam diretamente com a implementação de políticas públicas e a discricionariedade que eles têm. Não é apenas o formulador de políticas que decide, mas também o profissional na ponta que lida com as situações cotidianas, onde há uma grande margem de discricionariedade. Este livro foi muito importante para mim e hoje é um clássico tanto fora quanto dentro do campo do direito.
No doutorado, a dinâmica é um pouco diferente do mestrado, pois se trata de um projeto mais longo. Temos mais tempo, especialmente com a pandemia. A UERJ, instituição onde defendi minha tese, estendeu o prazo de entrega e deu um ano adicional para todos os doutorandos naquele período. Embora eu não tenha utilizado todo esse tempo, foram quatro anos e meio de dedicação. Comparado ao mestrado, que tem uma duração de dois anos, é uma experiência substancialmente diferente. O doutorado permite uma pesquisa mais profunda e abrangente. Foi uma jornada incrível e ainda é. Acredito que foi um mergulho profundo no mundo da burocracia, do qual tenho muito orgulho.
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