No dia 27 de março de 2023, a pesquisadora do INB, Júlia Albergaria, conversou com o Diretor de Fabricação Digital do FAB LAB LIVRE SP, Raphael Rossato Caetano, sobre a relação entre tecnologias, inovação e inclusão. O FAB LAB LIVRE SP foi premiado com o selo de reconhecimento na primeira edição do Prêmio Raymundo Magliano Filho.
INB: Nas últimas décadas, é possível observar um crescimento exponencial de inovações tecnológicas. No entanto, esse crescimento convive com uma situação alarmante de desigualdade social no país. Qual é a importância de vincular a inovação à inclusão?
Raphael: O tema da inclusão digital é abrangente e pode ser abordado sob diversos aspectos. Em primeiro lugar, é importante implementar políticas de inclusão digital básicas para evitar o aumento da desigualdade social. Em um mundo cada vez mais digitalizado, os serviços públicos devem promover o acesso e letramento às ferramentas digitais para evitar um aprofundamento das desigualdades.
Em São Paulo, existem três políticas públicas que lidam diretamente com isso, Telecentros, Wi-Fi Livre SP e Fab Lab Livre SP. Essas iniciativas são cruciais para permitir que as pessoas ganhem autonomia no desenvolvimento de novas tecnologias, especialmente considerando o crescimento exponencial da inovação. Isso é essencial para democratizar o acesso à tecnologia.
Em relação ao FabLab, nosso maior objetivo é que, por meio da democratização, as minorias e maiorias marginalizadas possam participar do progresso tecnológico em diversas áreas, como o desenvolvimento de software, hardware, fabricação digital ou tecnologias sociais. Acredito que é crucial diversificar os envolvidos na construção da tecnologia, precisamente porque ela não é neutra. Os algoritmos refletem ideias e modos de pensar. Quanto maior a diversidade, maior a inclusão democrática.
INB: Grande parte das inovações tecnológicas está associada a empresas multinacionais. Qual é a importância de elaborarmos ou desenvolvermos políticas públicas que democratizem o acesso às novas tecnologias?
Raphael: Para mim, a importância é total. É notável que grande parte das inovações da sociedade está ligada à atuação das empresas multinacionais. No entanto, os avanços não seriam possíveis sem um investimento na ciência de base. Na área da Tecnologia da Informação, as pesquisas sobre ciência e inovação criam, de forma cada vez mais consistente, um ecossistema de desenvolvimento.
Há outro aspecto interessante a ser lembrado. Programas como o FabLab demonstram a relevância do conceito de open source. Essa expressão é frequentemente usada por aqueles que defendem a ideia de que passamos por uma nova revolução industrial. Um mundo open source inaugura uma experiência definitivamente democratizada, aberta e ampla. Nesse sentido, torna-se possível desenvolver técnicas, estudos e atividades acessíveis para qualquer pessoa por meio da tecnologia. E quando a inovação é aberta, você pode desenvolvê-las em várias partes do mundo e adaptá-las à sua própria realidade e ecossistema local.
Atualmente, a rede Fab Lab Livre SP integra o movimento Fab City – cujo objetivo é mudar a cadeia de produção a longo prazo. Em vez de ter designers concentrados apenas nos Estados Unidos e na Europa, a produção na Ásia e o descarte na África, tentamos quebrar a lógica do comércio internacional usando a fabricação digital e ecossistemas locais para produzir tecnologias e insumos necessários para cada localidade. A ideia é que, em vez de mercadorias, circulem mais informações e dados.
Acredito que estamos inseridos em um contexto cada vez mais focado no desenvolvimento sustentável, em oposição ao predatório. É muito importante considerar novas formas de avançar tecnologicamente. Acredito que, por meio do open source e de novos incentivos e políticas públicas como o FabLab, podemos propor um novo modelo de inovação e estruturação tecnológica.
INB: O Fab Lab é a maior rede de laboratórios públicos de fabricação digital do mundo. De que maneira o desenvolvimento de suas atividades contribui para o aprofundamento da experiência democrática e construção da cidadania no país?
Raphael: Do meu ponto de vista, grande parte do propósito das políticas públicas tecnológicas é possibilitar que as pessoas estejam cada vez mais incluídas digitalmente. Em um mundo cada vez mais digitalizado, a inclusão torna-se essencial para alcançar uma democratização efetiva. No entanto, ao observar esse novo cenário, especialmente no que se refere à circulação de informações falsas e à digitalização dos serviços, a alfabetização digital é fundamental para garantir a proteção contra golpes digitais. Isso é essencial para que as pessoas possam exercer plenamente seus direitos e sua cidadania, pois não se trata apenas de seu papel como indivíduo, mas da cidadania que está sendo negada quando ocorrem processos digitais.
Uma das formas de subverter o cenário é democratizar o acesso aos equipamentos de fabricação digital, uma prática que teve início nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos e que agora está sendo aplicada em países latino-americanos. Também considero importante que todos tenham consciência que podem ser parte da solução de seus próprios problemas. Afirmei isso não no sentido de individualizar o cidadão com base em sua experiência, mas sim de que o acesso a ferramentas garante autonomia para resolver questões em sua própria comunidade.
Por exemplo, em 2019, o programa Residência Maker do Fab Lab construiu uma arquibancada para um campo de futebol comunitário em frente ao laboratório na cidade de Tiradentes. A partir desse projeto, a comunidade conseguiu transformar o espaço público usando a tecnologia de fabricação digital. Isso tornou o campo mais adequado para eventos locais e fomentou o comércio da região. Nesse sentido, conseguimos criar soluções que impactaram positivamente o ambiente ao redor.
Essencialmente, essas iniciativas podem ser instrumentos para o exercício da cidadania. Outro exemplo é o caso de uma mulher que perdeu parte dos movimentos da mão devido a um acidente. Através dos laboratórios de fabricação digital e com o apoio dos técnicos do Fablab, ela pôde desenvolver uma solução com a impressora 3D que a permitiu cozinhar novamente. Isso não apenas restaurou sua autonomia, mas também a ajudou a superar a depressão e outros desafios que enfrentava devido à sua deficiência.
Em última análise, o poder de recuperar a autonomia e a inclusão social por meio da tecnologia de fabricação digital é fundamental para o exercício pleno da cidadania. A capacidade de criar suas próprias soluções, mesmo em comunidades carentes, é o que torna o trabalho do FabLab tão significativo.
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